Aos Puristas e Turistas: Oli XL

AOS PURISTAS E TURISTAS: OLI XL

Por Giulio Carlo.

• Varg, Croatian Amor, Sky H1… você já deve ter se deparado com algum desses nomes por coletâneas de música alternativa de gravadoras notáveis ou super listas de final do ano organizadas pelas revistas musicais mais importantes da atualidade. Afinal, são artistas quentíssimos da cena experimental em plena ascensão. Todos oriundos de uma onda que lá por 2016/17 surgiu no norte da Europa e deu um gás no que conhecemos como música Ambient e suas variantes. No meio dessa galera me deparei em algum momento com o som de Oli XL. Não lembro se estava solta por alguma playlist do spotify ou nas descobertas da semana, mas quando ouvi ‘Mimetic’ pela primeira vez, sabia que tinha achado um artista ardoroso por sua criação e que compreende profundamente as emoções humanas. 

            Bem vindo a minha nova coluna mensal na fonte, “Aos Puristas e Turistas”. Espaço que dedicarei a personalidades e conceitos da música experimental que possam ajudar vocês a encontrar seus próprios interesses nesses tempos de hiper informação ou fechar algumas lacunas de conhecimento no espectro da música alternativa contemporânea.

 

Muito Além de um hit do Tiktok

Se veio aqui pois acha que conhece “Oli XL” de algum lugar, eu te ajudo. Lembra de uma trend que surgiu muito forte no ano passado lá no Tiktok, onde pessoas postavam vídeos engraçados com uma música bizarra e bem específica para acentuar a sensação de que “algo está fora do lugar”? Pois Bem, essa faixa, ‘Heretic’, foi produzida por ninguém mais ninguém menos que Oli XL e lançada lá em 2017 pela PAN numa coletânea de ambient intitulada ‘Mono No Aware’. Uma das mais importantes daquele ano e talvez da história do gênero.

 

É uma faixa tecnicamente muito simples, mas que nessa simplicidade evoca um arrepio desconcertante, que te coloca sozinho em um corredor abandonado pelo resto do mundo. Vinda talvez das profundezas da Vaporwave, a track se constitui em uma variação de acordes simples e dissonantes aparentemente sampleados e distorcidos de alguma forma que se repete em loop por 4 minutos, entre micro-sons, vozes humanas e ruídos distantes.

Esses ruídos por sua vez põem em dúvida nossa condição nesse lugar imaginário. Será que estamos tão sozinhos assim? Como foi que vim parar aqui? É tudo muito familiar, as notas, a ambientação, os ruídos. Mas alguma coisa está definitivamente fora do lugar. E o que antes era só um loop, se torna uma das músicas mais sinistras que eu e milhões de pessoas ao redor do mundo já ouviram.

Não consegui informações precisas sobre a disseminação da ‘Heretic’ no Tiktok, além de que criadores de conteúdo começaram a usar a música sem alterações em seus vídeos no começo de 2022 e a tornaram viral. Portanto, não posso dizer a vocês se aconteceu de forma orgânica ou se teve algum tipo de impulsionamento e em que grau. De qualquer forma, as pessoas se identificaram. A mensagem de Oli ressoou pelo mundo e sua faixa obscura foi tão ouvida quanto qualquer álbum pop lançado no mesmo ano.

Rogue Intruder, Soul Enhancer

‘Heretic’ é um ótimo exemplo da sensibilidade de Oli e da sutileza da sua obra. Mas está longe da identidade sonora do artista. Temos todos os elementos técnicos básicos de sua obra presentes nessa track, só que formando algo desprendido daquilo que você deve entender como o seu universo.

“386 samples ilícitos, retorcidos e costurados em emoções (132 músicas, 53 jogos, 14 filmes, 187 clipes)”. É assim que XL apresenta seu álbum “Rogue Intruder, Soul Enhacer” no Bandcamp. Números impressionantes que demonstram um processo artesanal minucioso e delicado, equivalente a fabricação de um queijo excelente, que cria no leite um sabor complexo e único, só possível com a ajuda de microrganismos selvagens, equivalentes talvez aos ruídos e fractais gerados pelos samplers digitais e saturadores. A maneira que o artista trabalha esses samples remete aos primórdios do UK Garage por conta das fortes modulações dos vocais, timbres e seu casamento com batidas dançantes. Que cria uma atmosfera doce, aérea e extática.

Ao ouvir o álbum, verá que se trata de um híbrido de post-dubstep com hyperpop. As sincopas e swings fortes da batida mascaram os ritmos do two-step e dubstep que formam a base das faixas mais dançantes, sempre acompanhados de percussões que por vezes interrompem ou complementam as levadas características da música inglesa dos anos 90 e 2000. Os timbres da bateria são brilhantes e possuem Release curto. Mesmo assim, soam bem orgânicos e dinâmicos, casando perfeitamente com os swoshs, risers e reverses que dançam pelo álbum. Os efeitos de fase dão textura à bateria e os filtros combinados aos efeitos de espacialidade movimentam as ambiências junto à percussão, por todas suas explosões e silêncios. Dessa forma, sem graves gordos nem serrilhados, temos um dubstep de outro mundo. Que nos remete às origens do gênero com sua leveza e harmonia, ao mesmo tempo que soa inédito mesmo para os mais familiarizados ao gênero, por conta dos artefatos que Oli cria nessa brincadeira toda.

Identificados então os elementos e convenções que “Rogue Intruder, Soul Enhacer” carrega do post-dubstep, vamos agora analisar e entender o que torna esse um álbum de hyperpop também. Só que antes de iniciar essa análise, mencionarei a entrevista que o artista deu para a Crack Magazine em junho de 2020. Porque logo no início de sua conversa com Chal Ravens Oli pontua que: “o álbum não é um comentário político, nem está atolado nas mundanidades da vida moderna. É o oposto, na verdade”. E essa é uma citação indireta à uma resenha do álbum feita pelo ‘The Quietus’, onde Zac Cazes descreve a música de Oli como um refúgio das redes sociais, memes e da masculinidade tóxica, entre outras questões crônicas com as quais lidamos hoje. Acontece que esse debate sobre o discurso que há na música de Oli tem tudo a ver com esse movimento cultural.

O Hyperpop é um sub-gênero de pop vanguardista que leva todas as definições do que é pop ao limite, e faz dos elementos mais dramáticos da música pop mainstream, sátiras ou apelos emocionais musicados. O movimento em si acaba se tornando um grande comentário social e político quando opta pelo maximalismo de synths barulhentos característicos dos grandes festivais de EDM ou pelos vocais escandalosos inspirados em vozes gloriosas como as de Whitney Houston e Beyoncé, por exemplo. E faz isso naturalmente se apegando a elementos culturais da nossa sociedade ocidental, o ecossistema da cultura pop. Então, por que a música de Oli ainda pode ser considerada hyperpop apesar do artista se distanciar de qualquer ligação conceitual com a modernidade e suas questões? Bem, por causa da estética.

Através de todas as distorções, tunning e cortes, Oli constrói músicas excitantes, super divertidas que qualquer um consegue dançar. Os vocais lembram desenhos infantis por conta de toda a modulação de pitch e é tudo muito fofo no geral, mesmo com a forte influência do dubstep. Sons agudos e metálicos no fundo dão um brilho luxuoso exta que, junto das harmonias aéreas, transformam o álbum em um universo estranhamente sensual e sensorial. Essa mistura de fofura e sensualidade, muitas vezes acompanhadas de potência mecânica, vem se tornando cada vez mais comuns no Pop mainstream dos últimos anos. Um ótimo exemplo disso é o último álbum da cantora Rosalía ‘Motomami’, que ganhou o Grammy de Melhor Àlbum Latino do Ano. Tendo motos, desenhos japoneses e romances da Disney como fonte central de inspiração estética.

Rosalía no videoclipe de ‘Saoko’ / Charli XCX no videoclipe de ‘White Mercedes’

 

Mesmo assim, Oli mostra uma abordagem diferente a essas mesmas concepções. Talvez por dispensar a temática de máquinas possantes e tecnologia digital como protagonistas, seu hyperpop soa um pouco mais orgânico e natural. Não há ondas dente-de-serra distorcidas em Rogue Intruder, Soul Enhacer, nem percussões que mais parecem bombas. É tudo muito sutil, provocador e introspectivo. Talvez um reflexo do próprio artista. Sinto que da mesma forma que Charli XCX estaria para um desfile da Diesel de 2022, Oli XL está para um show da Louis Vuitton de Virgil Abloh.

Sua música soa como um jardim do Éden sonhado por uma criança fissurada em hip-hop que ainda cresce, inocente, na casa da mãe. É tudo muito lúdico e surreal. O que é concreto passa a ser abstrato em questão de um compasso e logo volta ao seu estado natural sem ser exatamente aquilo que foi há dois segundos. Não há maldade nesse mundo, só a leveza das novas descobertas e explorações. Por alguns momentos, tanto faz de onde vem os samples, como Oli os manipulou ou quais acordes estão tocando. O que importa de verdade é a paisagem na qual sua pista de dança se transformou.

Você acaba hipnotizado por isso tudo. Se torna um astronauta flutuante, rodeado de pratos, caixas, swoshes e vozes de crianças alienígenas nesse jardim. E quando percebe que o álbum está no fim, fica triste e pensa: Será que da próxima vez que eu ouvir ‘Flower Circuit’ sentirei o mesmo calor? Te garanto que não. E não importa também, será sempre uma nova sensação. O mesmo sonho sonhado outra noite.

Louis Vuitton For Men 2022 Collections, as últimas coleções desenvolvidas por Virgil Abloh

 

Obviamente o trabalho de Oli não se resume ao álbum ou sua faixa que bombou com memes em redes sociais. Sua contribuição para coletâneas de música experimental como a ‘I Could Go Anywhere But Again I Go With You’ e sua residência de 8 meses na Rinse FM são os lugares perfeitos para você se aprofundar na obra do produtor, o que eu fortemente recomendo. Mas através de ‘Rogue Intruder, Soul Enhancer’ é possível ter uma ideia de sua magnitude. É o ponto de partida perfeito para conhecê-lo e será uma hora muito bem aproveitada da sua semana. Além disso, Oli está há um ano sem lançar e acabou de anunciar em suas redes que um novo álbum, “Lick The Lens” está à caminho. Eu começaria a acompanhá-lo no instagram e ouvir todos os lançamentos de suas gravadoras: W-I (Encerrada) e Bloom. Principalmente à aqueles que se interessam pelos ritmos da bass-music britânica, música ambient e vocais de R&B fortemente modulados ao estilo UK garage.

  

FONTES:
Know Your Meme
https://knowyourmeme.com/memes/heretic-by-oli-xl
Pitchfork
https://pitchfork.com/reviews/albums/23111-mono-no-aware/
https://pitchfork.com/reviews/albums/oli-xl-rogue-intruder-soul-enhancer/
Crack Magazine
https://crackmagazine.net/article/long-reads/oli-xl-scaling-up/
https://crackmagazine.net/article/long-reads/rising-oli-xl/
Bandcamp
https://olixl.bandcamp.com/album/rogue-intruder-soul-enhancer
Subbacultcha
https://subbacultcha.be/editorial/detail/oli-xl
Shape
https://shapeplatform.eu/artist/oli-xl/

 

imagens _
inicial: Cover art provided by Kai Shinomura, Inspired by Oli’s music and art

 

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