EVITCELES _ entrevista por Giulio Carlo

FONTE ENTREVISTA _ EVITCELES

por Giulio Carlo

• Há alguns anos que acompanho o trabalho do produtor búlgaro Evitceles. Entre tantos artistas de música experimental alternativos pelo mundo, ele é um dos que se destaca pela originalidade e profundidade musical. Etien, o nome por trás do artista, expressa em suas texturas uma carga emocional muito complexa para pads e drones. A saturação em sua música faz o papel de melodias tristes, e suas melodias solitárias se tornam poesia, declamada numa língua universal.

Contudo, percebe-se que nos últimos anos sua estética vem se transformando. As percussões rasgadas ganharam mais espaço em seus últimos dois álbuns e as faixas mais pesadas parecem ter se tornado o foco de seu trabalho. Fui conversar com ele sobre sua música e como ele têm a levado à novas fronteiras.

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Giulio: Ei Etien, seja bem vindo e obrigado por compartilhar um pouco do seu tempo para vir falar sobre seu trabalho aqui para os leitores da Fonte. Como você está? Apresente-se, por favor.

Etien: Obrigado pelo convite 😊 Então, eu sou Etien e algumas pessoas me conhecem como Evitceles. Sou de Sofia, Bulgária.

 

G: Me desculpa  começar com uma pergunta clichê, mas não consigo encontrar o significado do nome ‘Evitceles’ em lugar nenhum. Eu não sei se é uma barreira linguística ou  algo que surgiu da sua  mente, mas eu preciso saber. O que significa, cara? haha

  1. : ) Evitceles é ‘selective’ de trás para frente. Para contextualizar, eu estava pensando, em algum momento, no filme “The Eternal Sunshine OfThe Spotless Mind”. Por um tempo meu vulgo era EvitcelesAisenma (Selective Amnesia) então decidi deixar apenas uma das palavras, pois fazia mais sentido e estava de alguma forma mais relacionada ao meu nome real.

 

G: Quando fui apresentado pela primeira vez à sua música, em 2018, parecia uma forma profunda de lo-fi house/techno. Não consegui encontrar um gênero preciso para descrevê-lo, pois não era uma estrutura tradicional de IDM. A música de pista, 4 to the floor estava misturada a um novo tipo de ambient  emotivo e abissal que eu nunca tinha ouvido antes. Hoje em dia, o que já era complexo e dançante, se transformou em um som duro, barulhento e agressivamente percussivo que lembra um deconstructed club e as células rítmicas da conceptronica. Existe alguma definição para esse gênero de música que você tem feito nos últimos dois anos?

Lançado em 2015, é um techno lo-fi profundo que envolve em nostalgia o acid house de Chicago.

  1. Muito legal saber que você conhece algumas das minhas primeiras produções. Eu não diria que existe uma definição específica da música que estou fazendo, porque geralmente opero em vários gêneros ao mesmo tempo. Sou realmente curioso para experimentar diferentes subgêneros porque quero ver o que posso ou não fazer com eles. Nos últimos dois anos tenho me voltado mais para a música acústica e de guitarra, portanto o elemento mais agressivo.

 

G: O que você procura criar quando se senta ao computador para fazer música?

  1. Isso é muito específico, pois depende do meu humor. Mas digamos que estou procurando criar algo que seja cativante, misterioso e emocional.

 

G: Algo que me chama a atenção no seu trabalho é o volume que você produz. Se me lembro bem, ‘Infinite Night’ é seu terceiro álbum este ano em um terceiro selo diferente. Como você gerencia esse fluxo intenso de trabalho mantendo sua identidade, ao mesmo tempo em que desenvolve novas sonoridades?

  1. Honestamente, eu produzo muito e tenho períodos em que fico muito obcecado com o processo de criação em si. Sinto que há muitos territórios para explorar.

 

G: Desta vez vejo que você adicionou elementos do darkwave e pós-punk na sua música. Não apenas os riffs de guitarra e as batidas eletrônicas, mas também os vocais. Para quem não conhece seu trabalho, é a primeira vez que você usa um vocal de metal tipo drive (eu acho). O que fez você seguir esse caminho em ‘Infinite Night’? Quem está cantando? Você gravou as guitarras sozinho? Por favor, conte-nos sobre o seu processo prático.

BANDCAMP PLAYER (Evitceles – Eat The Hunter Infinite Night) com a seguinte legenda: ” “Eat The Hunter” do seu último álbum,  uma faixa que exemplifica perfeitamente as novas texturas e novos ritmos explorados por Etien.

  1. Na verdade, eu já usei esse tipo de vocal antes. Mas acho que trabalho ficou um pouco mais destacado (talvez no meu álbum anterior também). Eu não chamaria isso de cantar, mas estou dizendo algumas palavras que vêm à minha mente. Às vezes relacionado à experiências próprias.

Tive períodos na minha vida em que ouvia muita música com guitarra, muito rock alternativo, post-metal, post-rock e shoegaze. Para mim, parece uma continuação super natural do meu som e, na maioria das vezes, sempre imaginei fazer coisas que parecem mais pós-metal ou como você descreveria. Algumas das guitarras do Infinite Night são gravadas por mim e algumas são sampleadas porque eu ganhei uma guitarra quando estava no meio da produção do álbum. Alguns dos sons do álbum vêm de Digitone e KorgWavestate, ambos predominantes em minhas produções recentes.

 

G: Neste álbum, de onde você tirou suas referências? O que você recomenda que nossos leitores ouçam para se conectar ainda mais à Evitceles?

  1. Uma de minhas referências é o filme Sorcerer (1977). Em termos de música é complicado, pois não tenho certeza se há referências muito diretas, mas nessa época eu estava curtindo muito o Posthuman do JK Flesh. Acho que em algumas faixas eu queria criar uma versão dreamy desse tipo de som. Deftones também sempre foram uma influência 🙂

 

G: Ah, eu conheço esse filme, aquele com a trilha sonora do Tangerine Dream, né? Nunca assisti, mas conheço essa trilha. Falando agora, eu entendo total! Aqueles pads dissonantes com attack longo… Você incorporou muito bem a vibe  daqueles filmes de suspense dos anos 70… E a maneira como você usa o filtro com a saturação e sidechain (em ‘Futile Cycle’, por exemplo), meio que replicando o que os caras do Tangerine Dream fizeram na trilha para dar ênfase aos silêncios que vem  logo após os  risers… Sensacional! Eu ia demorar  uma vida pra ligar esses pontos.

Mas já  que chegamos aqui, eu quero falar sobre como você usa sidechain, porque é algo que você vem fazendo há algum tempo e que me encanta. De fato, a primeira vez que ouvi seu álbum ‘Anuket’, especificamente a faixa ‘hllf’, me apaixonei por sua música,e  justamente por causa desse efeito sidechain. Nela, toda vez que o bumbo bate, a música inteira desaparece. Parece um sonho desvanecido, como um sentimento bom demais para ser verdade. Me conta mais sobre isso, como você chegou a esse estilo/técnica? Você  usa um compressor  específico? Algum tipo de VST de sidechain?

  1. Boa observação. Eu sempre fiquei bastante impressionado com a forma como o baixo pode afundar a música e depois deixá-la emergir. Ouvi muito Andy Stott em 2015 e fiquei obcecado com a sensação do baixo em algumas de suas músicas. Eu queria aprender a fazer isso sozinho e foi nessa época que comecei a experimentar mais. Mas eu realmente não tenho nenhuma técnica específica ou VST especial. E sim, alguns filmes de suspense dos anos 70 foram definitivamente uma influência, pois passei por um período no ano passado em que estava explorando muitos deles.

G: Apesar de ‘Naive Slumber’ e alguns outros trabalhos, sua música é indiscutivelmente noturna, sombria e melancólica. Mas como eu disse, com o passar do tempo, a impressão que tenho é que está ficando cada vez mais pesada. Há alguma razão para isso? Estou falando de ‘Infinite Night’ e ‘Accession’, particularmente.

  1. Eu não diria uma razão super particular. Talvez seja apenas eu querendo explorar mais o som do metal. Claro que eu produzo muitas outras músicas que não são tão pesadas, algumas que inclusive ainda estão por vir.

 

G: Você teve a chance de tocar o álbum ao vivo para o público? Quão boa vem sendo a reação?

  1. Eu toquei várias faixas em diferentes ocasiões este ano. Estou feliz com a forma como o álbum está sendo recebido e fico feliz que as pessoas possam mergulhar nele com a mente aberta.

 

G: Então, quais são os próximos passos a partir de agora? Algum lançamento por vir?

  1. Próximos passos… honestamente espero que apareça algumas gigs, mas quem sabe. Os bookings andam um pouco estranhos por aqui. Caso contrário, estarei fazendo muita música, quase sem parar. Então talvez para este ano o Infinite Night seja meu ultimo lançamento, mas ano que vem eu penso em soltar bastante coisa nova, ainda mais focadas nas guitarras e vocais.

  

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EVITCELES INTERVIEW by Giulio Carlo

 

I’ve been following the work of the Bulgarian producer Evitceles for a few years now. Among so many alternative experimental-music  artists around the world, he is one of those who stands out for his originality and musical depth. Etien, the name behind the artist, expresses in his textures some very complex emotions, too complex for Pads and Drones, i’d say. The saturation in his music plays the role of sad melodies, and his lonely themes become poetry, recited in a universal language.

However, it is clear that in recent years his aesthetics has been changing. The torn percussions gained more space in his last two albums and the heavier tracks seem to become the body of his work. I went to chat with him about his music and how he’ve been taken it to further frontiers:

   

G: Hey Etien, welcome and thank you for sharing a bit of your time to come talk about your work here to Fonte’s readers. How are you? Please, introduce yourself.

E: Thank you for the invitation 😊 So I am Etien, some people know me as Evitceles. I am based in Sofia, Bulgaria.

 

G: Sorry for starting with a cliché question, but i can’t find the meaning for ‘Evitceles’ name anywhere. I Don’t know if its a language barrier or if it’s something you came up with from your own mind, but i need to know. What Does it mean, man? haha

  1. : ) Evitceles is Selective backwards. To give you some context, I was thinking at that time about the movie “ The Eternal Sunshine OfThe Spotless Mind”. For a little bit my alias was EvitcelesAisenma (Selective Amnesia), then I just decided to leave only one of the words as it made more sense and was somehow more related to my actual name.

 

G: When i was first presented to your music, back in 2018, it sounded like a deep form of lo-fi house/techno. I couldn’t find a precise genre to describe it, since it was not a traditional IDM structure. The 4 to the floor dance music was mixed to a complete new kind of abyssal emotional ambient i’ve never heard before. Nowadays, what was already complex and danceable, turned into a hard, noisy and aggressively percussive sound that reminds the deconstructed club and conceptronica rhythm cells. Is there any definition for this genre blending music you’ve been doing the last couple years?

*BANDCAMP PLAYER (Evitceles – Underneath Life/Less EP) with the following caption: “Released in 2015, it’s a lo-fi and deep techno that wraps a Chicago acid house track  in nostalgia”

  1. Very cool to know that you are familiar with some of my early productions. I wouldn’t say there is a specific definition of the music I am making because usually I operate in several genres at the same time. I am really curious to try different sub-genres because I want to see what I can or can’t do with them. Last couple of years I have turned more to acoustic and guitar music, therefore the more aggressive element.

 

G: What do you look to create when you sit on your computer to make music?

  1. This is very specific as it depends on my mood. But let’s say I am looking to create something that is captivating, mysterious and emotional.

 

 

G: Something that calls my attention to your work is the volume you produce. If i remember well, ‘Infinite Night’ is your third album this year in a third different label. How do you manage this intense workflow keeping your identity, at the same time you develop new sonorities?

  1. Honestly I just produce a lot and I have periods where I get really obsessed with the process of creating music. I always feel like there are so many territories to explore.

G: This time i can see you brought elements from darkwave and post-punk to your music. Not only the guitar riffs and the electronic beats but also the vocals.  For those not familiar to your work, it’s the first time you use a drive-like metal vocal (i think). What made you choose this path in ‘Infinite Night’? Who’s singing? Did you recorded the electric guitars by yourself? Please, tell us about your practical process.

BANDCAMP PLAYER (Evitceles – Eat The Hunter Infinite Night) with the following caption: ” “Eat The Hunter” from his latest album, this is a track that perfectly exemplifies the new textures and new rhythms explored by Etien.

  1. Actually I have used this sort of vocals before on some releases. I think just on this release it’s a bit more obvious (maybe on my previous album too). I wouldn’t call it singing but I am saying some words that come in my mind. Sometimes related to own experience and sometimes the music gives me some ideas.

I had periods in my life when I used to listen to a lot of music with guitars, lots of alternative rock, post-metal, post-rock and shoegaze.  For me it feels like its super natural continuation of my sound and I mostly always envisioned doing things that feel more like post-metal or however you would describe it. Some of the electric guitars on Infinite Night are recorded by myself and some are sampled because I got a guitar when I was in the middle of producing the album. Some of the sounds on the album come from Digitone and KorgWavestate as both have been predominant on my recent productions.

 

G: For this album, where did you got your references from? What do you recommend our lectors listen to connect even further to Evitceles?

  1. One of my references is the movie Sorcerer (1977). In terms of music, this one is tricky as I am not sure if there are very direct references, but around this time I definitely got a lot into JK Flesh – Posthuman release. I think on some tracks I wanted to give my dreamy take on this kind of sound. Also Deftones are always an influence 🙂

 

G: Oh, i know that movie, the one scored by Tangerine Dream, right? Never Watched, but i’m familiar to the score. Now that you have mentioned, i can see it! Those long-attacked dissonant pads… You’ve embodied so well the vibes of those 70’s thriller films.. And the way you use the filter together with the saturation and sidechain(on ‘Futile Cycle’for example),kind of replicating what the Tangerine Dream guys did on the score to give emphasis to the silences, right after the riser effects… sounds great. I’d have to spend a whole life connecting those points.

So since we got here, i wanna talk about the way you use sidechain, cause its something you’ve been doing for a while. Indeed, the first time i heard your album ‘Anuket’, specifically the track ‘hllf’ i felt in love with your music, simply because of your sidechain effect. On that one, everytime the kickdrum hit the whole music disappears.. It sounds like a faded dream, like something that’s too good to be true. Tell me more about it, how did you came up with that style and technique? Do you have a specific compression or sidechain VST?

  1. Great observation. I’ve always been pretty impressed by how bass can sink up the music and then let it outside again. I listened to a lot of Andy Stott in 2015 and I was obsessed with how the bass feels in some of his music. I wanted to learn how to do it myself and around this time is when I began experimenting with it more. I do not really have a specific technique or use some sort of VST. And yes some 70’s thriller films have definitely been an influence as I had some period last year where I was exploring a lot of these.

 

G: Despite ‘Naive Slumber’ and some other work,  your music is unarguably nocturnal, dark and melancholic. But as i said, as time passes, the impression i have is that its getting heavier and heavier. Is there any reason for that? I’m talking about ‘Infinite Night’ and ‘Accession’, particularly.

  1. I wouldn’t say super particular reason. Maybe just me wanting to explore more metal sound. Of course I do produce a lot of other music that is not that heavy, this music just hasn’t been released yet.

G: Did you get the chance to play any of the album’s songs live for the public? How well are them receiving the album?

  1. I did play several tracks on different occasions this year. I am happy with how the album is received and I am glad people are able to dive into it with an open mind.

 

G: So, What are the next steps from now, do you have any more music coming soon?

  1. Next steps, honestly I hope some events and bookings come up but who knows. The booking climate is a little strange. Otherwise I am making a lot of music almost non-stop. So maybe for this year Infinite Night is the final release but next year I will put a lot of new pieces out even more focused on guitars and vocals.

 

 

Foto inicial: Zlatina Tochkova

www.behance.net/zlatinatochkova